Muitos esperavam que Bolsonaro desse um golpe de Estado em 7 de setembro: mobilizaria multidões, fecharia o Congresso e o STF e realizaria o seu sonho, governar como ditador. Para tanto, os caminhoneiros exerceriam papel preponderante, como ocorreu no Chile em 1973 para emplacar a ditadura de Pinochet. Eles bloqueariam as estradas, paralisariam a economia brasileira, e invadiriam sedes de instituições republicanas.
O tiro saiu pela culatra. Com exceção de São Paulo, as manifestações tiveram pouca adesão (a maioria, familiares de policiais civis e militares), o bloqueio das rodovias durou poucas horas e o Congresso e o STF não foram invadidos.
No entanto, ao discursar na Avenida Paulista Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao ofender, diretamente, dois ministros da suprema corte, Alexandre de Moraes, (de quem disse não cumprir ordens), e Luiz Roberto Barroso, presidente do TSE.
O pavio do suposto golpe não pegou fogo, mas provocou muita fumaça. No dia seguinte ao feriado nacional, o sistema financeiro viu desabar todos os seus índices, o que obrigou os donos do Mercado a convocarem o ex-presidente Michel Temer para entrar em campo e convencer Bolsonaro a assinar uma carta de retração, de modo a evitar o impeachment acionado pelo Judiciário e acalmar o mundo das finanças. Muitos apoiadores do presidente agora o criticam pelo recuo, considerado traição.
Golpe houve. Mas não no Dia da Independência. Ocorreu em 2016 e foi perpetrado, por traição, pelo vice-presidente da República, Michel Temer, que logrou induzir o Congresso a derrubar a presidente Dilma Rousseff. Desde então, houve desdobramentos, e o mais significativo deles foi a eleição de Bolsonaro a presidente da República em 2018. A partir da posse, em janeiro de 2019, teve início o desmonte do Estado brasileiro, com sucessivas privatizações do patrimônio público e a progressiva militarização dos órgãos de governo. Acrescem-se a isso o negativismo que induziu o governo a considerar a pandemia de Covid-19 mera “gripezinha” e se ver obrigado a nomear quatro diferentes ministros da Saúde, além de se enredar na corrupção, apurada pela CPI do Senado, que envolve a compra de vacinas e insumos.
Agora, em meados de setembro, o cenário é nada favorável à reeleição de Bolsonaro no próximo ano. Seu apoio se reduz, no momento, a 23%; a economia fracassa; a inflação soma-se ao acelerado aumento dos preços de combustíveis e alimentos; a crise hídrica se agrava; o desemprego se expande; o prestígio internacional desaba; e a Justiça aperta o cerco em torno dos filhos do presidente, acusados de graves delitos.
Há quem opine que, ainda assim, diante da impossibilidade de ser reeleito, Bolsonaro haverá de dar um “golpe no golpe”, à semelhança do que o AI-5 representou durante a ditadura, e assumir a sua índole ditatorial. Não partilho dessa opinião, por considerar que, para tanto, ele precisaria contar com fatores que, ora lhe faltam: apoio de potências internacionais; confiança do mercado financeiro; ampla sustentação popular; aprovação da grande mídia; e, sobretudo, respaldo das Forças Armadas.
Bolsonaro, comprovadamente ligado a milicianos, tem hoje o apoio de nichos expressivos das polícias civil e militar. Mas não das Forças Armadas, ainda que alguns comandantes o apoiem publicamente. As armas da República o toleram sem, no entanto, estarem dispostas a uma nova versão do golpe impetrado por elas em 1964 e que levou o Brasil a 21 anos de ditadura. Ainda mais quando já não há uma Casa Branca disposta a patrocinar a quartelada.
Para amplos setores da oposição, importa que Bolsonaro sangre até o último dia de seu governo. Assim, o contrapondo com Lula, cujos índices sobem a cada nova pesquisa eleitoral, fica polarizado e impede o surgimento de uma candidatura forte como terceira alternativa. Se Bolsonaro fosse derrubado pelo impeachment e seu vice, o general Mourão, assumisse, isso sim poderia diluir a atual polarização e favorecer o aparecimento da terceira via, uma enganosa candidatura de direita travestida de moderada e que, assim, poderia alavancar uma alternativa entre o que a grande mídia chama de polos extremos, o direitismo de Bolsonaro e o esquerdismo de Lula.
Ainda bem que o Brasil tem, agora, um Luiz no fim do túnel… Mas seria um equívoco a oposição restringir a campanha à figura carismática do ex-presidente da República. É preciso formular, o quanto antes, um novo projeto de Brasil, capaz de sinalizar um futuro imediato no qual haja redução das desigualdades sociais, amplas ofertas de empregos e combate à devastação socioambiental.
Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor, autor de “O diabo na corte – leitura crítica do Brasil atual” (Cortez), entre outros livros.