Para suportar a quarentena

Desde a publicação do best-seller de Stephen Hawking, Uma breve história do tempo (1988), cresce o interesse pela busca de novos paradigmas demarcados pela atual cosmologia e a física quântica. Os novos paradigmas influenciam não só as ciências, mas também a nossa maneira de falar de Deus (teologia) e o nosso modo de vivenciá-lo (espiritualidade).

Paradigmas são “sínteses” científicas, filosóficas ou religiosas que servem de referência modelar para determinada época ou grupo humano. São exemplos a filosofia de Platão, a teologia de Santo Tomás de Aquino, a concepção política de Maquiavel, a filosofia de Descartes, a física de Newton, o liberalismo e o marxismo. Eis os pilares da visão de mundo ou cosmovisão de todos nós que habitamos a esquina para a qual confluem os séculos XX e XXI, e o segundo e o terceiro milênios.

Em plena crise das ideologias libertárias, abaladas pela queda do Muro de Berlim, muitos se voltam para o terreno supostamente sólido das ciências ou mergulham no imponderável voo das correntes esotéricas. As grandes instituições – família, Igreja, escola, Estado etc – parecem não mais corresponder ao papel de norteadoras das novas gerações. Na versão pós-moderna, Protágoras diria que cada um é a medida de si mesmo. O que é valor hoje pode ser descartado amanhã, dependendo das conveniências do mercado.

Contudo, nem todos se perdem nas veredas do absurdo ou se deixam tragar pelo consumismo hedonista que faz do mercado o deus que monitora desejos e projetos. Há no espírito humano um profundo instinto de sobrevivência que o faz transcender situações e épocas, e reinventar o futuro. Esse instinto exerce uma atração irresistível na direção do âmago de nosso ser, no mais íntimo de si mesmo, e do rumo das estrelas, esses pontos de luz que encerram uma escrita que, talvez, possa nos revelar a razão pela qual aqui estamos a desfrutar de uma vida que, embora culmine na morte, nos faz acreditar que haveremos de transcendê-la.

Encanta-nos a idéia de que a humanidade avançou do Universo geocêntrico de Aristóteles ao Universo heliocêntrico de Copérnico, ampliado pelo Universo de Newton e, agora, descobre o de Einstein, Hubble e Hawking. Quando se modifica o desenho cósmico no fundo do caleidoscópio, também muda nossa maneira de entender o mundo e nele se situar. Hoje nos encontramos no limiar de uma nova cosmologia, fruto da convergência entre a astrofísica (que trata do infinitamente grande) e a física quântica (que trata do infinitamente pequeno). Dados colhidos pelo Hubble – o supertelescópio orbital dos EUA, lançado ao espaço em 25 de abril de 1990 – talvez provoquem, em nossa compreensão dessa morada cósmica que nos abriga, os mesmos impactos causados pelos cálculos de Copérnico, o telescópio de Galileu, a lei da gravidade de Newton e a teoria da relatividade de Einstein. Mas para avançar da era da necessidade à era da liberdade e da espiritualidade, precisamos, primeiro, nos livrar do Capitaloceno – esta era na qual o capital fala mais alto do que os direitos coletivos.

Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor, autor de “A obra do artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre mais de 68 livros.