Frente à chacina que a PM paulista provocou no Guarujá (oficialmente, 16 mortos), como vingança ao assassinato de um policial militar, o governador de São Paulo tentou justificar ao alegar que muitas vítimas tinham antecedentes criminais. Se tinham, por que estavam soltos? E deveriam ter sido presos, não assassinados.

Tal justificativa é uma declaração de incompetência de sua polícia, incapaz de levar à prisão criminosos, e de que adotou a lei do talião, como se crime se respondesse com crime e morte com mortes. E o pior: praticados pelas forças de segurança do Estado, mantidas por nossos impostos e que deviam dar o exemplo de eficiência, ética e respeito aos direitos humanos.

As práticas das milícias e do narcotráfico não podem servir de exemplos a corporações que têm, por princípio, a obrigação de assegurar o cumprimento das leis.

Pensa o governador que a reação homicida de policiais trará à sonhada paz pública? Pelo contrário, só acelera ainda mais a espiral da violência.

Sim, o Brasil está infestado de criminosos, meliantes, assassinos, e o que fazem é hediondo. Mas por que não se perguntam pelas causas? O que faz uma pessoa abraçar a trilha do crime? Apenas a vontade de delinquir? E por que nossas penitenciárias não reeducam detentos?

Vivi dois anos na condição de preso comum sob a ditadura militar. Estive na Penitenciária do Estado de São Paulo, no Carandiru e na Penitenciária Regional de Presidente Venceslau (SP), presídio de segurança máxima, onde hoje se encontra o comando do PCC.

Aprendi na convivência a etiologia da criminalidade. O que esperar de uma criança cuja mãe, após um dia de faxinas em casas de classe média, apanha do marido bêbado, desempregado, diante do filho? O que esperar de uma criança que se evade da escola por vergonha de não ter sapatos minimamente decentes e, crescida, alia-se ao narcotráfico para exibir nos pés um tênis de marca? O que esperar de uma criança cujo pai, ignorante, surra-a com cinto ou cabo de vassoura porque ela, descuidada, deixou quebrar uma garrafa de cerveja?

A miséria, governador. A miséria, como ensinam Fanon e Foucault, produz não apenas carência e vergonha, mas também revolta, ressentimento, desespero. Daí a importância de políticas sociais favoráveis aos excluídos, como fazem os governos do PT. Isso não significa que o PT seja sempre exemplar. Ao menos no quesito segurança pública, pois o atual governo da Bahia (31 mortos pela PM entre 28 de julho e 4 de agosto) parece seguir a mesma cartilha dos governadores Tarcísio de Freitas e Cláudio Castro: vista grossa à ação criminosa de policiais e narrativas tão hipócritas que soam ridículas, como de chacinas por “enfrentamentos” e “balas perdidas”, cujos responsáveis pelos disparos jamais são achados.

O belicismo bolsonarista fez escola e, agora, faz escala. Felizmente encontrou pela frente a ação determinada de um juiz, Alexandre de Moraes, e dos ministros Flávio Dino, Silvio Almeida e Anielle Franco. Os assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes que o digam, após anos de encobrimento do crime por policiais civis do Rio com o apoio de figuras do Judiciário. Agora, o fio da meada começa a ser desenrolado. Quantos ainda precisarão ser mortos no Guarujá para saciar a sede de vingança daqueles que deveriam zelar pela vida dos cidadãos e a ordem pública?

Como bem observou Freud, “o Estado proíbe ao indivíduo a prática de atos infratores, não porque deseja aboli-los, mas sim porque quer monopolizá-los”.

Frei Betto é assessor de movimentos populares e escritor, autor de “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.