O papa Francisco propõe debater temas considerados tabus na Igreja Católica, como o sacerdócio de homens casados, a bênção matrimonial a casais homoafetivos e o direito de as mulheres terem acesso ao sacerdócio. Para isso, convocou o Sínodo dos Bispos, cuja primeira sessão ocorre, em Roma, nesse mês de outubro (4 a 29).
Pela primeira vez estarão presentes 54 mulheres com direito a voto. Contudo, embora haja 70 leigos no Sínodo, 75% são bispos e cardeais. Ao todo, 464 participantes.
Francisco é o único monarca absoluto do Ocidente. Monarca absoluto, como o rei da Arábia Saudita, é aquele que nenhuma instância pode questioná-lo ou julgá-lo. Quisesse decidir sozinho sobre questões polêmicas, Francisco poderia fazê-lo. Mas como procura imprimir à Igreja um caráter mais democrático, prefere consultar as bases e atuar em regime de colegialidade.
Pelo menos cinco cardeais nomeados por João Paulo II e Bento XVI, pontífices conservadores, já se manifestaram contra a ordenação de mulheres e a bênção à união de pessoas do mesmo sexo. Confundem doutrina, um legado histórico, com revelação divina, também sujeita à interpretação, como o comprova a própria história da Igreja.
A misoginia é uma forte característica da Igreja Católica e destoa inteiramente dos evangelhos. Lucas (8,1) cita os nomes das mulheres integrantes da comunidade de Jesus; João (4,5-42) ressalta que a samaritana foi a primeira apóstola ao anunciar Jesus como Messias; e Marcos (16,6) registra que Maria Madalena, proclamada “Apóstola dos apóstolos” pelo papa Francisco, foi a primeira testemunha da ressurreição de Jesus.
Excluir as mulheres do sacerdócio e do episcopado, inclusive com direito a serem cardeais e eleitas papas, é um preconceito machista que não se justifica em pleno século XXI. O mesmo vale para o celibato obrigatório. Das 24 Igrejas vinculadas à comunhão católica, apenas a sediada em Roma exige que seus sacerdotes sejam homens solteiros, embora todos saibam que Jesus escolheu um homem casado, Pedro, para ser o cabeça da primeira comunidade cristã (Marcos 1,30).
Muitos na Igreja confundem heranças culturais com revelação divina. E por ignorar noções elementares de antropologia, julgam que o atual modelo predominante de família heterossexual é universal e perene. Ora, para a Bíblia o fundamento da relação entre pessoas é o amor. Onde há amor, aí está Deus.
Hoje, nenhuma paróquia católica pode negar o batismo a filhos de casais homoafetivos. Não é essa uma maneira de admitir a sacramentalidade da união dos pais ou mães dessas crianças?
Desconfio de que certos clérigos têm uma visão pornográfica da mulher e dos gays. O mais preocupante, porém, é ainda a Igreja considerar a procriação como objetivo superior à comunhão de amor no casamento. As pessoas não se unem para ter filhos, mas por amor. Fosse o contrário, deveria ser considerado nulo o matrimônio de um casal estéril.
O que se pode esperar de filhos cujos pais não se amam? Não devemos nos aproximar de Deus para evitar as penas do Inferno ou obter a salvação. Mas por amor, sobretudo aos nossos semelhantes – imagens vivas de Deus. Não há experiência humana tão feliz e plena quanto a do místico que vive em estado de paixão pela Trindade.
Não há um só caso nos evangelhos em que Jesus tenha repudiado uma mulher, como fez com o governador Herodes Antipas (Lucas 13,32). Ou proferido maldições sobre elas, como fez com os escribas e fariseus (Mateus 23). Com mulheres, Jesus se mostrou misericordioso, acolhedor, afetuoso e exaltou-lhes a fé e o amor.
É chegada a hora de a Igreja assumir o seu lado feminino e abrir todos os seus ministérios às mulheres. Afinal, metade da humanidade é mulher. E, a outra metade, filha de mulher.
Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.