Eric Hobsbawn tratou da questão da ética e do poder em “Social Bandits and Primitive Rebels”, onde analisou as formas arcaicas de protesto nos séculos XIX e XX. Em 1969, relançou a edição melhorada da obra sob o título “Bandits”.

Hobsbawn diria que narcotraficantes e políticos corruptos não são bandidos comuns, são “bandidos sociais”. A diferença é que os primeiros estão fora-da-lei e à margem da sociedade. Os segundos, apesar de agirem ao arrepio da lei, integram-se à sociedade.

Há bandidos sociais, como os bicheiros, que patrocinam escolas de samba e eventos, competições esportivas e campanhas políticas, com uma desenvoltura e ostentação que os faz serem vistos pelo povo “como heróis, campeões, defensores da justiça… homens que merecem admiração” (1985; 17) e, por isso, pessoas de renome não temem ser fotografadas ao lado deles.

Os bandidos sociais não correspondem à figura mítica de Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres. Fazem o inverso. Através da corrupção, roubam dos pobres para dar aos ricos e poderosos, a fim de conquistarem e manterem seu lugar nas esferas de poder. É tese de Anton Blok sobre a máfia sicialiana, em “The Peasant and the Brigand: Social Banditry Reconsidered”, “quanto mais bem sucedido é o bandido, maior a proteção que recebe” (1972; 498).

A recíproca é verdadeira. Da proteção dos que estão dentro-da-lei depende o êxito dos fora-da-lei. Mas, nessa relação, um dos dois deve mover-se na direção do outro. De fato, quem está dentro-da-lei não se move de seu lugar social, mas sim de seu lugar ético. Ao aceitar propinas, vantagens e tráfico de influência, o dentro-da-lei rompe a legitimidade que instaura sua autoridade moral e, subjetivamente, cumplicia-se com o corrupto-corruptor, fechando os olhos à corrupção.

De fato, muitos bandidos sociais, como o bicheiro e o policial corrupto, habitam uma terra-de-ninguém, pois se recusam a aceitar o modo de sobrevivência de sua classe de origem. E não chegam ao poder por mérito, mas por suborno, chantagem e compra de proteção, obtendo uma cumplicidade tácita mantida, sobretudo, através do silêncio. Habitam a terra-de-ninguém entre os que têm o poder por direito e os que nunca tiveram nada. É “um deles”, do povo, em processo de se associar “a nós”, da elite. Como esta se julga mais esperta do que o vulgo, aceita as benesses da contravenção – sambódromo, festas, viagens, dinheiro – sem se dar conta de que, nessa transação, o lucro é dos segundos, que obtêm assim uma migração de sentido de legitimação, trazida pela aproximação física de quem moral e socialmente detém poder segundo as regras da legalidade.

Por que não é fácil o corte entre poder público e bandidagem? Porque não há suicídio de classe. Após se misturarem, água e óleo (o que, na realidade, é impossível) não podem mais ser separados. Tornam-se a mesma substância. Só uma nova classe política, eticamente imune à corrupção, é capaz de resgatar o tecido social corroído. Mas isso supõe uma virtude que, hoje, figura entre as que merecem o título de heroica: saber perder aparentes vantagens para ganhar substancial legitimidade. Pois quem quer fazer novos a sociedade e o ser humano sabe que pode perder tudo – a liberdade, as posses e até a vida – menos a moral.

Como bom mineiro, desconfio de que esses homem e mulher novos deverão ser, necessariamente, filhos do casamento entre Ernesto Che Guevara e Santa Teresa de Ávila. E de que não há salvação para a política e os políticos fora das virtudes evangélicas anunciadas e praticadas por Jesus.

Frei Betto é escritor, autor de “Parábolas de Jesus – ética e valores universais” (Vozes), entre outros livros.

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