“Alguma coisa acontece…” é não é no coração de Caetano Veloso. É na política. As recentes eleições para o Parlamento Europeu resultaram vitoriosas para a extrema-direita. Em 2019, os votos consagraram os verdes; agora, os autoritários.
Na União Europeia eleitores com menos de 30 anos preferiram votar em AfD, na Alemanha; Vox, na Espanha; Chega!, em Portugal; Vlaams Belang, na Bélgica; e Finn, na Finlândia. Exceções foram a Itália, onde a preferência recaiu sobre o Partido Democrata, de centro-esquerda, e a vitória surpreendente da esquerda nas eleições para o parlamento francês.
Muitos supunham que a Espanha, após 36 anos de ditadura do general Franco (1939-1975), jamais daria votos a propostas autoritárias. Em 2014, com apenas quatro meses de existência, o partido Podemos, de esquerda, conquistou cinco cadeiras no Parlamento Europeu e foi a quarta sigla mais votada na Espanha. Agora a direita espanhola obteve 28 cadeiras.
Com a nova composição do Parlamento Europeu, os deputados de direita e centro-direita serão 402 do total de 720, domínio de 56%. Antes, eram 396.
Em Portugal, que esteve sob a ditadura de Salazar durante 41 anos (1933-1974), o partido Chega!, de extrema-direita, mereceu 20% dos votos e ganhou 48 cadeiras no parlamento português.
Chile e Argentina, que foram governados por ditaduras militares, também assistem a ascensão da direita. No Chile, a extrema-direita do Partido Republicano tornou-se a principal força de oposição ao governo progressista ao conquistar a maioria do conselho constitucional encarregado de redigir a nova Constituição do país (rejeitada pela maioria do eleitorado em dezembro passado). Na Argentina, além da vitória de Milei – um Bolsonaro que ao menos lê jornais -, a atual vice-presidente do país, Victoria Villarruel, defendeu a Junta Militar durante a campanha presidencial, sem que isso prejudicasse sua eleição.
Essa nova conjuntura política tem um denominador comum: os votos à extrema-direita procedem, majoritariamente, de jovens de menos de 35 anos. O maior eleitorado está entre os jovens de 18 a 25 anos.
Essa geração Z são os chamados “nativos democráticos”, pois não viveram sob ditaduras nem a eles foram transmitidos os valores democráticos. E são chamados Z por serem viciados em zapear. Nasceram manipulando controles remotos e tecnologias digitais.
As ditaduras cuidam de incutir nos jovens seus “valores”, sob estrita censura à liberdade de expressão, como fizeram os militares brasileiros ao introduzir nos currículos escolares Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política Brasileira). As democracias não fazem educação política, não ensinam ética, não combatem preconceitos, não incutem espiritualidade (não confundir com religião) e restringem a educação sexual a aulas de higiene corporal para evitar doenças sexualmente transmissíveis…
Hoje, muitos jovens pensam que os políticos não se preocupam com eles e governam voltados apenas a seus interesses pessoais e corporativos. Usam e abusam do dinheiro público. E não demonstram nenhum apreço pelo bem comum, querem apenas ganhar eleições e permanecer no poder.
Qual jovem, hoje, considera um político alvo de sua admiração e digno de ser imitado? Minha geração teve vários, de Fidel a Mandela, de Che Guevara a Dolores Ibárruri (La Pasionaria) e Rosa Luxemburgo, de Gandhi a Luther King, de Prestes a Marighella, de Ulysses Guimarães a Teotônio Vilela.
Pesquisas demonstram que os jovens com menos de 35 anos acreditam que terão um futuro pior do que seus pais, devido à dificuldade de emprego, aos baixos salários, à violência urbana. A crença no poder da política em mudar a conjuntura findou com a Geração 68. Agora é cada um por si e Deus por ninguém… Porque a política se vulgarizou, perdeu o encanto, se deixou corromper, tragada pelo corporativismo.
Essa acentuada vulgarização da política tem sua raiz no desinteresse do eleitorado. As redes digitais desmobilizam ao esgarçar as instituições de organização coletiva (associações, movimentos, sindicatos etc.) e favorecem o individualismo. O eleitor se pergunta o que o político fez ou fará por ele. Premido pela aceleração eleitoral – ir às urnas a cada dois anos – ele sequer consegue avaliar o desempenho de quem elegeu no passado.
Os jovens já não sonham com utopias, querem soluções imediatas. Para muitos pouco importa se o mundo é capitalista ou socialista. Estão mais preocupados com suas questões identitárias, de gênero, de etnia, de orientação sexual etc. E nada interessados em identidade de classe social.
O Relatório Mundial sobre a Felicidade, deste ano, indica que os jovens são o grupo etário mais infeliz da Europa devido às preocupações que afetam toda a União Europeia: aumento do custo de vida, ameaça de pobreza e exclusão social.
Segundo Maurício Molinari, diretor do jornal La Repubblica, uma minoria de jovens ainda se mobiliza contra o aquecimento global e as guerras. A maioria está muito mais preocupada com a deterioração da qualidade de vida. Se votam na direita é por medo da pobreza e de adversidades propagadas pelas campanhas contra os migrantes, acusados de não quererem se integrar, não respeitarem as leis e disseminarem a violência.
Daí as propostas de Le Pen, na França, a favor da redução drástica dos impostos para os menores de 30 anos, de assistência financeira aos trabalhadores estudantes e subsídios à moradia. Na Holanda, o líder da extrema-direita, Geert Wilders e, na Alemanha, o AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita, prometem favorecer de proteção da saúde e garantir moradias para as gerações jovens.
No Brasil, já não se vê mobilização do movimento estudantil em prol de mudanças estruturais. Nem empenho dos partidos progressistas na formação política de jovens, embora os que se encontram na faixa etária de 16 a 29 anos tenham preferido, nas eleições de 2022, Lula (51%) e Bolsonaro (20%), segundo DataFolha.
Em nome da antipolítica, a política se encontra ameaçada pelo despertar de um monstro que todos imaginavam soterrado: o nazifascismo.
Frei Betto é escritor, autor de “Jesus militante” (Vozes), entre outros livros.