O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) nasce, há 40 anos, com três objetivos: lutar pela terra, para que famílias organizadas no movimento conquistem terra suficiente para sobreviverem com dignidade do próprio trabalho; lutar pela reforma agrária, o que significa reestruturar a propriedade fundiária e o uso da terra; lutar pela transformação da sociedade.
Para alcançar tais objetivos, o MST se definiu, desde o início, como “movimento de massas, de caráter sindical, popular e político”. De massas, porque a correlação de forças só pode ser alterada a seu favor pelo número de pessoas organizadas; popular, porque é uma organização aberta à participação de todas as pessoas que desejem lutar para trabalhar na terra. O MST possui, ainda, caráter sindical, porque a luta pela reforma agrária tem também dimensão econômica e de conquistas reais e imediatas, mas também caráter político, pois a reforma agrária só poderá ser alcançada mediante a transformação estrutural da sociedade.
Hoje, o MST atua em 24 dos 26 estados do Brasil, o que o diferencia dos movimentos que o antecederam, como as Ligas Camponesas. Com atuação local e regional, foi possível serem isolados pelas forças repressivas. Presente na maior parte do território nacional, o MST tem condições de apoiar estados com mais dificuldades e nacionalizar as lutas locais, amplificando sua repercussão.
A consolidação e a força do MST se devem ao número de pessoas que organiza. O fundamental no método de organização é colocar as pessoas em movimento e, pela prática, desenvolver sua consciência política e social.
A primeira forma de luta são as ocupações de terras. Antes ou durante a ocupação de uma área, o MST organiza acampamentos de famílias sem-terra. A articulação dessas famílias é feita pela identificação de territórios onde os camponeses estejam concentrados e pelo trabalho de base. As famílias participam da organização do futuro acampamento e buscam formas de conseguir lonas para os barracos, transporte para as famílias realizarem as ocupações etc. Ou seja, criam condições para a futura ocupação.
Ao ingressar em um acampamento, as famílias são organizadas em núcleos de base de 10 a 20 pessoas. Esse pequeno número é para que os integrantes possam se conhecer e evitar infiltrações de desconhecidos. Além disso, divididos em pequenos grupos mais pessoas podem debater e opinar sobre questões de organização política do acampamento. Nos núcleos, todos têm o direito à palavra, incluindo as crianças.
No acampamento, as tarefas são organizadas e distribuídas coletivamente: buscar água e lenha, organizar doações de alimentos, montar barracos, realizar a segurança, educar as crianças etc. Essas tarefas são feitas em equipes dos núcleos de base. Todo núcleo tem um participante nas equipes de trabalho. Assim, todos participam da vida política e das atividades organizativas.
Nos acampamentos são comuns assembleias para decisões coletivas, como ocupar ou não um latifúndio, recuar ou não em determinada luta. Quando a terra é conquistada, ela se torna um assentamento de reforma agrária. Este foi um dos primeiros desafios do MST: como manter organizadas as famílias que já haviam alcançado parte dos seus objetivos com a conquista da terra? Há o risco de a sociabilidade e a cooperação existentes no acampamento se perderem nesta transição. Por isso, o movimento desenvolveu mecanismos para manter os assentados motivados.
Primeiro, os anos de vivência em acampamentos produz identidade. Os trabalhadores organizados se identificam como Sem-Terra (com letras maiúsculas). Essa identidade permanece mesmo depois de conquistada a terra. Assim, compartilham histórias de lutas, se identificam com as famílias ainda acampadas e cultivam valores como o internacionalismo e a solidariedade.
A organização do território conquistado traz novas demandas: crédito rural, educação, saúde, cultura, comunicação etc. Para alcançar as novas reivindicações, o MST mantém os núcleos de base por vizinhança. A cada nível organizativo – acampamento, assentamento, região, estado e nacionalmente – se constitui uma instância de direção coletiva.
No MST não há um “presidente” ou cargo semelhante que concentre em si as decisões políticas, ou diferencie o dirigente dos demais militantes. Todas as instâncias no movimento, da base à Direção Nacional, são coletivas e com mandatos de dois anos. Assim, se combatem o centralismo e o personalismo. E há divisão de tarefas: todos devem ter, em maior ou menor grau, responsabilidades dentro da organização para que não haja nem centralização excessiva, nem sobrecarga dos militantes.
Quanto mais complexa a realidade e maior a organização, mais equipes são formadas; organizam-se em setores em níveis estaduais e nacional para planejar e executar tarefas mais especializadas, como Produção, Frente de Massas, Educação, Formação etc. Por exemplo, todos os educadores ou envolvidos na educação de um mesmo conjunto de municípios formam o setor de Educação, que elabora propostas pedagógicas e atua na vida escolar. Na Produção, os militantes organizam a vida econômica, as cooperativas, assim como a tecnologia agroecológica para o cultivo.
Nesses coletivos também se incorporam sem-terras, como o Coletivo LGBTQIA+, possivelmente sem similar em outras organizações camponesas. Outro exemplo de participação são atividades e encontros com os “sem-terrinhas”, os filhos dos camponeses. Em julho de 2018, o primeiro Encontro Nacional dos Sem-Terrinhas reuniu mais de mil crianças para um acampamento de estudo e brincadeiras em Brasília.
É a ação prática, a luta, que permite que a consciência política não adormeça nos acampamentos e assentamentos. O MST, solidário com os valores humanos e socialistas, não fica apenas na retórica. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, o movimento doou toneladas de alimentos por meio da organização de cozinhas, hortas e comunidades solidárias. Em dezembro de 2023, o MST enviou 13 toneladas de alimentos para as vítimas dos ataques israelenses na Faixa de Gaza. E neste ano socorreu milhares de famílias afetadas pelas inundações que ainda assolam a população gaúcha.
O MST merece todo o nosso apoio!
Frei Betto é escritor, autor do livro infantojuvenil “Os anjos de Juliana” (Cortez), entre outras obras.