Para suportar a quarentena
Henry, da congregação dos Irmãozinhos do Evangelho, fundada por Charles de Foucauld, era um andarilho de Deus. Em Marselha, pegou carona num navio cargueiro, onde trabalhou na faxina, e desembarcou no Rio, em 1965. Seu propósito era chegar à Serra de Piedade, em Minas. Caminhou até Petrópolis, onde pediu hospedagem numa casa paroquial. Ao fitar aquele homem com aspecto de mendigo, cabelos fartos, mochila às costas e sandálias de couro cru, o padre teve medo e bateu-lhe a porta na cara.
Henry dormiu no jardim defronte à igreja. Pouco depois, a polícia o despertou, levando-o preso por vadiagem. No dia seguinte, o delegado conferiu os documentos dele e o liberou. “Não quero ir embora”, disse o monge para espanto do delegado. “Gostaria de ficar aqui uns três dias, para falar de Jesus aos presos”.
Terminado o tríduo, Henry andou até a cidade de Pedro do Rio. Sentiu fome e entrou num bar de beira de estrada. Indagou do dono se poderia lavar o chão em troca de um prato feito. A proposta foi aceita. No almoço, conheceu um caminhoneiro que lhe deu carona até Belo Horizonte, onde convivemos alguns dias no convento dominicano do bairro da Serra, antes que ele partisse para a montanha que abriga o santuário da padroeira de Minas.
Passei anos sem notícias dele. Até que, em 1976, quando eu morava na favela de Santa Maria , em Vitória, ele bateu inesperadamente à minha porta. Contou que estivera em muitos países, vivera inusitadas experiências e pregara um retiro para o papa Paulo VI. Foram dias de muita fé e afeto. Mais tarde, soube que andara pelo Chile. Sempre em comunhão com os excluídos da sociedade.
Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor. Ele acumula décadas de trabalho social, procurando genuinamente contribuir para melhorar a vida do próximo.