A 1º de abril completou 60 anos do golpe militar que derrubou o governo democraticamente eleito de João Goulart, rasgou a Constituição e instalou um aparelho repressivo que sacrificou milhares de brasileiros e brasileiras – perseguidos, cassados de seus mandatos políticos, despedidos de seus empregos, presos, torturados, assassinados, exilados, banidos e “desaparecidos”. A ditadura durou 21 anos!
Tivesse você um filho “desaparecido”, mudaria de casa? Conheço famílias que permaneceram décadas no mesmo imóvel, muitos degradados pelo tempo, na esperança de que, um dia, o filho sequestrado pelas forças de segurança encontrasse o caminho de volta…
Apesar de tantos crimes hediondos, nenhum dos responsáveis foi punido. Ao contrário, ainda hoje, em quarteis e clubes militares, a data – recuada para 31 de março por vergonha ao “dia da mentira” –, merece celebrações efusivas e homenagens póstumas aos mais notórios torturadores e assassinos.
O Brasil jamais acertou a dívida de justiça com a sua história. Foi nesse caldo de cultura, temperado de impunidade e imunidade, que Bolsonaro e seus cúmplices tramaram o golpe fracassado de 8 de janeiro de 2023. E não sejamos ingênuos: as atuais oitivas de militares não garantem que os mentores fardados de 8/1 sejam punidos conforme a lei.
A história do Brasil é pontilhada de quarteladas. Nossa política sempre foi tutelada pelas Forças Armadas. Até a Proclamação da República resultou do golpe que o exército imperial perpetrou para destronar D. Pedro II, em 15 de novembro de 1889.
Dos 36 presidentes que governaram o nosso país, 10 eram militares. E os 26 presidentes civis atuaram à sombra da caserna. O presidente Epitácio Pessoa (1919-1922) por pouco não foi derrubado pelo movimento tenentista. Pouco depois, a Primeira República findou com o golpe militar monitorado por Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), em 1930. Este instalou o Estado Novo, fechou a Câmara dos Deputados e o Senado, impôs uma Constituição de caráter fascista, desencadeou intensa repressão a seus opositores. Foram 15 anos de atrocidades, embora a classe trabalhadora tenha sido beneficiada por uma legislação trabalhista que visava impedir sua aproximação com o avanço mundial do movimento comunista.
Vargas foi sucedido pelo curto mandato de José Linhares (1945-1946) e, este, pelo general Eurico Dutra (1946-1951).
A eleição de Juscelino Kubistchek suscitou nova quartelada. As Forças Armadas se empenharam para que ele sofresse impeachment, o que não ocorreu graças à fidelidade democrática do marechal Lott.
A renúncia de Jânio Quadros, em 1961, jogou o Brasil na instabilidade democrática e abriu a via que possibilitou o golpe militar de 1964. Durante 21 anos o Brasil esteve sob o coturno dos militares, governado por cinco generais (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo).
O fato de os crimes da ditadura não terem sido investigados, julgados e punidos, aqueceu o caldo de cultura que possibilitou a eleição do 10º militar a ocupar a presidência da República: Jair Bolsonaro (2018-2022). E seus quatro anos de governo, culminados na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, comprovou que nossas Forças Armadas estão longe de aceitar as regras da democracia. Consentem desde que não sejam investigadas pelos crimes cometidos e não percam os excessivos privilégios concedidos a seus oficiais.
Neste ano de 2024, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente é de R$ 3,6 bilhões. O da Defesa, R$ 122,8 bilhões! Os militares nem conseguem evitar que as nossas fronteiras pareçam peneiras pelas quais passam drogas e contrabandos, nem livrar a Amazônia dos garimpos ilegais e do desmatamento predador.
Como cantam os versos de Affonso Romano de Sant’Anna: “Uma coisa é um país, / outra um ajuntamento. / Uma coisa é um país, / outra um regimento. / Uma coisa é um país, / outra o confinamento.” (Que país é este?).
Ditadura, nunca mais!
Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.