O Brasil, terra dos paradoxos, regrediu quanto às condições econômicas da população durante a pandemia e, no entanto, aumentou o número de bilionários. O empresariado industrial cede lugar à burguesia financeira. O dinheiro se desloca da propriedade imóvel (agropecuária e industrial) para a propriedade móvel (ativos financeiros).

Segundo Oded Grajew, da Oxfam Brasil, aqui os 5% mais ricos concentram em mãos 95% da renda nacional, e 10% possuem 74% das riquezas.

A revista Forbes, que pesquisa os mais ricos no mundo, informa que, no Brasil, dobrou o número de pessoas que tiveram aumentada suas fortunas em pelo menos 1 bilhão de dólares (R$ 5 bilhões). O elenco passou de 31, em 2016, para 65, em 2021. Assim, no país a participação dos ricos no total de bilionários do mundo saltou de 1,7% (2016) para 2,4% em 2021.

Já a economia brasileira caminha em sentido inverso. Regrediu do 9º para o 12º lugar no ranking dos maiores PIB do mundo. Se comparada com a evolução da riqueza global, a participação do Brasil foi reduzida em 33,3%, pois deixou de representar 2,4% do PIB mundial (posição em 2016) para assumir, em 2020, o exíguo perfil de apenas 1,6%.

Caiu também o PIB por habitante. Na lista de 195 países, o Brasil passou da 76ª posição, em 2014, para a 85ª posição em 2020, segundo dados do FMI. Nosso PIB retrocedeu 3,8% entre os governos Temer e Bolsonaro.

De acordo com dados do IBGE (novembro de 2020), no Brasil mais de 50 milhões de pessoas se encontram na pobreza (renda per capita mensal de, no máximo, R$ 499), e 13 milhões, na extrema pobreza (renda mensal não ultrapassa R$ 178).

Da população brasileira, 14,4 milhões estão desempregados; 40 milhões sobrevivem de empregos informais; 13,6 milhões vivem em favelas. Passa da metade o número de brasileiros de 25 anos ou mais que não concluíram a educação básica, e 33,1% não terminaram o ensino fundamental. Outro dado preocupante: a cada ano, são assassinados, em nosso país, 44 mil pessoas, a maioria negros e pobres. Somos a sétima nação mais desigual do mundo.

Dados Globais

Entre 2016 e 2020, a economia global cresceu 10,7%, e o número de bilionários, 52,2%. A elevação do PIB da China em 31,3% elevou a quantidade de seus bilionários em 295%. Segundo o índice Bloomberg, o patrimônio dos donos das 500 maiores fortunas do planeta aumentou quase R$ 10 trilhões em 2020. A lista é liderada por executivos de empresas de tecnologia e artigos de luxo.

A pandemia favorece os mais ricos. A quarentena doméstica intensificou o uso de tecnologia e as vendas online. As ações do Zoom subiram 450%. E sem poder viajar, os bilionários se dedicaram a adquirir, via ecommerce, produtos sofisticados como joias, relógios e marcas de grife.

O economista Michael Roberts afirma que um número muito reduzido de pessoas (menos de 0,1%) possui 25% da riqueza mundial. Apenas 1% do topo das famílias tem 43% da riqueza global, os 10% seguintes, 81%, enquanto os 50% da base somente 1%. Este 1% do topo é integrado por 52 milhões de multimilionários em riqueza líquida (descontadas já as dívidas). Dentro desse 1%, há 175 mil pessoas super ricas, pois cada uma abocanha mais de 50 bilhões de dólares em riqueza líquida. Esta informação vem do relatório de 2020 produzido pelo Credit Suisse Global Wealth, que acaba de ser divulgado.

O relatório continua sendo a análise mais abrangente e explicativa da riqueza global (não confundir com a renda), assim como da desigualdade da riqueza pessoal no mundo. Todos os anos esse relatório analisa a riqueza – composta pelos ativos financeiros (ações, obrigações, dinheiro, fundos de pensões etc.) e propriedades (casas, fazendas etc.) – de 5,2 bilhões de pessoas em todo o mundo, descontadas já as dívidas.

De acordo com o relatório de 2020, a riqueza familiar total global aumentou US$ 36,3 trilhões em 2019. Mas a pandemia cortou esse aumento de 2019 quase pela metade (US$ 17,5 trilhões), entre janeiro e março de 2020. No entanto, os mercados de ações e os preços das propriedades se recuperaram rapidamente, graças às injeções de crédito dos governos e dos bancos centrais.

Na queda da riqueza global, a região mais afetada foi a América Latina, onde as desvalorizações cambiais reforçaram as reduções do PIB em dólares, resultando na perda de 12,8% na riqueza total em dólares. A pandemia também estagnou o crescimento esperado nos EUA e causou perdas em todas as outras regiões, exceto China e Índia. Entre as principais economias globais, o Reino Unido testemunhou a maior erosão relativa da riqueza.

No final de 2019, os EUA e a Europa – que reúnem apenas 17% da população mundial adulta – concentravam 55% da riqueza global total. As diferenças de riqueza dentro dos países são ainda mais pronunciadas. No mesmo período, os milionários de todos os países do mundo – que somam 1% da população adulta – tinham em mãos 43,4% do patrimônio líquido global.

Em suma, o que o relatório mostra é que bilhões de pessoas não têm riqueza líquida nenhuma, e a distribuição da riqueza pessoal global reflete um mundo em que alguns gigantes, como Gulliver, olham para baixo e contemplam uma imensa massa de liliputianos…

Segundo Thomas Piketty, se houvesse um imposto mundial de 2% sobre fortunas acima de 10 milhões de euros, isso renderia dez vezes mais: 1 trilhão de euros por ano, ou 1% do PIB global, que poderia ser distribuído a cada país proporcionalmente à sua população. Se for de 2 milhões de euros, o PIB mundial cresceria 2%, ou mesmo 5% com uma escala altamente progressiva para os bilionários. Mais do que suficiente para substituir toda a ajuda oficial internacional atual, que representa menos de 0,2% do PIB global (e apenas 0,03% para a ajuda humanitária de emergência).

Uma medida urgente seria implementar a renda básica universal. Se dividirmos o PIB Mundial (calculado em cerca de 84 trilhões de dólares) pelos 7,2 bilhões de seres humanos, chegaremos ao valor per capita de US$ 11.667,00, ou seja, cada um disporia, por ano, de R$ 60 mil ou R$ 5 mil por mês.

Essa radiografia contraria quem acredita que a humanidade sairá melhor dessa pandemia. Quando o Titanic começou a afundar, os mais ricos não se preocuparam com o próximo. Correram para os botes de salvação, sem se importar com quem não teve o mesmo privilégio. Portanto, coloca-se como desafio urgente trabalhar pela cultura do cuidado e da solidariedade. Precisamos, urgente, de seis conquistas básicas: educação, saúde e acesso digital para todos, energia limpa, uso sustentável da Terra e cidades sustentáveis.

Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor, autor de “Parábolas de Jesus – ética e valores universais” (Vozes), entre outros livros.