Estamos ainda muito distantes do mundo de paz. Em 2020, os EUA gastaram US$ 738 bilhões em armamentos. Bastariam dois terços disso para erradicar a fome no mundo. A China, US$ 193,3 bilhões. Detalhe importante: os EUA estão envolvidos em todos os conflitos bélicos que ocorrem no planeta e mantêm bases militares em inúmeros países. A China não possui tropas fora de seu território. A Rússia dispendeu US$ 60,6 bilhões em gastos militares ano passado, atrás da Índia e do Reino Unido.
Apesar de o PIB mundial ter decrescido 4,4% em 2020, o investimento bélico se ampliou, segundo dados do “Balanço Militar” do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede em Londres. Ao todo foram gastos 1 trilhão e 830 bilhões de dólares em 171 países, sendo que 2/3 desse valor saíram dos cofres dos EUA e da China. Em moeda nacional, cerca de 10 trilhões de reais. A cada 24 horas do ano passado, os governos fizeram gastos militares no valor de R$ 27 bilhões, quantia quase equivalente ao orçamento do Bolsa Família para todo o ano de 2020, que foi de R$ 29,5 bilhões.
Comparado a 2019, ano passado houve aumento em gastos com defesa de US$ 77,2 bilhões (cerca de R$ 417 bilhões). Desse total, 52% foram investimentos usamericanos.
A humanidade caminha sobre o fio da navalha. Como canta Chico Buarque, qualquer desavença entre nações “pode ser a gota d’água”. Explosiva. Em 2020, os EUA possuíam 5.800 ogivas nucleares; os russos, 6.375; em comparação com 320 chinesas, 290 francesas e 21 britânicas, segundo o Instituto Internacional de Estocolmo para Pesquisa da Paz.
Em 2020, o Brasil destinou às Forças Armadas R$ 119 bilhões, pouco mais de 1,5% do PIB. Vale observar que cerca de 80% dessas despesas foram com pessoal, incluindo aposentadorias e pensões. E lembrar que todos os militares que entraram nas Forças Armadas até o ano 2000 têm direito a deixar pensão vitalícia para as filhas, e também para os filhos menores de 18 anos. Naquele ano, houve uma mudança nessa regra, mas válida apenas para quem ingressasse no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica a partir dali.
Sonho com um futuro em que armas e munições serão peças de museu. Como gravado em um muro de Paris, em 1968, “sejamos razoáveis, peçamos o impossível”. Imaginem se esses gastos excessivos fossem destinados à alimentação, saúde e educação da humanidade?
A dessolidariedade mundial se reflete na profunda desigualdade social reinante no planeta e nessa ideologia capitalista que situa a apropriação privada da riqueza acima dos direitos humanos. Basta constatar que 80% das vacinas contra a Covid-19 produzidas até agora foram apropriadas pela América do Norte e a Europa, e toda a América Latina conseguiu obter, até agora, apenas 5% dos imunizantes.
“O objetivo do governo não é transformar os homens de seres racionais em feras ou fantoches, mas permitir que desenvolvam seu corpo e sua mente em segurança, e empreguem sua razão sem dificuldades; que não mostrem ódio, raiva nem desprezo, e não sejam observados com os olhos da inveja e da injustiça. De fato, o verdadeiro objetivo do governo é a liberdade.” (Espinoza, século 17).
Frei Betto é frade dominicano, jornalista e escritor, autor de “Diário de quarentena” (Rocco), entre outros livros.