Não faço prefácios de livros. Nem apresentações. Decisão tomada há cinco anos ao não suportar pressões de neoescritores para que eu escrevesse o quanto antes. Deixar de lado meu trabalho literário para ler obra alheia, fora do meu campo de interesse naquele momento, fazia-me perder o fio da meada. Pior quando eu não gostava do texto e, ao apontar falhas ou imaturidade na escrita, e recusar o prefácio, criava uma saia justa e, em alguns casos, perdia uma amizade.

Escritores têm muitas virtudes, como a persistência de tecer (daí texto) letrinha por letrinha e de conter a ansiedade até sentir que deu o melhor de si. Porém, somos um balaio de defeitos. O mais notório é a vaidade literária. Você ousa dizer à mãe que o filho dela é horroroso? Do mesmo modo, escritores acreditam que suas obras são o máximo! Se alguém fala mal do livro, não é o livro que não presta, é o detrator que é burro, ignorante, carece de cultura para apreender o valor da obra…

Você conhece algum clássico da literatura de ficção precedido de prefácio? Prefácio é para obras antigas que requerem contextualizar o leitor hodierno. Fora disso, funciona como cartão de apresentação. Ora, se alguém vem a você apresentado por seu melhor amigo, nem por isso significa que seja simpático e confiável como seu amigo. Do mesmo modo, não há prefácio que salve a má qualidade de uma obra de ficção. Pode ser assinado por James Joyce ou Gabriel Garcia Márquez. É o livro em si que cativa ou não o leitor. Aliás, tentei três vezes ler e apreciar Ulisses do Joyce, atraído pelo prefácio de Antônio Houaiss. Devido à minha obtusidade, fracassei.

Entendo que um escritor iniciante queira ver a sua obra recomendada por autor consagrado. Também não escapei da tentação de pedir a Tristão de Athayde e Dom Paulo Evaristo Arns para prefaciarem meus dois primeiros livros: Cartas da Prisão (Agir) e Das Catacumbas (hoje incluído no volume da Agir).

Em livro de ficção prefácio não se justifica. Exceto se se trata de tragédia grega ou de obra traduzida cujo autor seja desconhecido de seu novo público. Fora disso, há que ir direto ao texto e avaliá-lo por sua qualidade intrínseca, e não pelos confetes jogados pelo prefaciador. Aliás, já li prefácios melhores que o próprio livro recomendado.

O que escritores inéditos devem fazer, frente à recusa das editoras em publicá-los, é enviar seus originais aos inúmeros concursos literários. Um livro premiado abre portas de editoras. E jamais se deixarem abater pela recusa do editor. Proust foi rejeitado por André Gide, editor da Gallimard, e Carmen Balcells, uma das mais prestigiadas agentes literárias do mundo, devolveu a Umberto Eco os originais de O nome da rosa por considerá-lo, não um romance, mas uma tese acadêmica romanceada… A editora inglesa Hogarth Press recusou os originais de Ulisses, o que Virginia Woolf, publicada por ela, considerava “uma memorável catástrofe”.

Tornar-se um autor – pois escritores há muitos – é uma tarefa árdua. Exige persistência e, sobretudo, muita leitura e tempo dedicado a escrever e reescrever inúmeras vezes o mesmo texto. Em se tratando de ficção, ele nunca está definitivamente pronto. Como dizia Paul Valéry, não se termina um romance, apenas o abandona…

Meu primeiro editor foi Ênio Silveira, da Civilização Brasileira. Perguntei a ele como saber que um livro está maduro para ser remetido à editora. Respondeu: “Nunca o faça sem estar convencido de que você fez o melhor. Não blefe consigo mesmo.”

Guimarães Rosa adotava e recomendava o hábito de, terminado um livro, deixá-lo na gaveta “descansar”, como massa de bolo, por uns meses e, então, relê-lo. O autor certamente o fará com olho crítico, aprimorando o texto. Além de seguir-lhe o conselho, sempre repasso meus originais a meia-dúzia de leitores qualificados para que façam críticas e sugestões.

Frei Betto é escritor, autor de “Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.