A 7 de setembro, data da independência do Brasil, ocorreu algo novo: as ruas foram ocupadas por mobilizações populares convocadas através da internet.
As pessoas saíram em passeatas para protestar contra a corrupção, o sucateamento da educação, e por reforma agrária e auditoria da dívida pública, entre outros temas. E fizeram questão de imprimir às manifestações caráter apartidário. Quem se atrevesse a desfilar com sigla de partido político era imediatamente rechaçado. Ali, no 7 de setembro, uniram-se o Grito dos Excluídos – uma tradicional manifestação de rua por reformas sociais – e o grito dos indignados.
As ruas do Brasil, até então acostumadas a ver, nos últimos tempos, apenas manifestações de evangélicos, gays e defensores da liberação da maconha, voltaram a ser palco de pressão política e reivindicação popular.
O poder convocatório das redes sociais é inegável. Elas possuem uma capilaridade que supera qualquer outro meio de comunicação. E carecem de censura ou editoração falaciosa.
Há, contudo, duas limitações que podem afetar seriamente os efeitos da mobilização internáutica. A primeira, a falta de proposta. Não basta gritar contra a corrupção ou apoiar o movimento Ocupem Wall Street. É preciso propor alternativas ao capitalismo, delinear os “outros mundos possíveis”, organizar a esperança.
A segunda limitação é o caráter apartidário das manifestações. Em si, é positivo, pois impede que algo nascido da mobilização cidadã venha a se converter em palanque eleitoral deste ou daquele partido político.
Porém, na democracia não se inventou algo melhor para representar os anseios da população que partidos políticos. Eles fazem a mediação entre a sociedade e o Estado. O perigo é as manifestações não resultarem na eleição de candidatos eticamente confiáveis e ideologicamente comprometidos com as reformas de estruturas, como a política e a agrária. Ou desaguar no pior: o voto nulo.
Quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E os maus políticos torcem para que tenhamos todos bastante nojo de política. Assim, eles ficam em paz, entretidos em embolsar o nosso dinheiro e ampliar suas mordomias e seus patrimônios.
As redes sociais são, hoje, o que a ágora era para os gregos antigos e a praça para os nossos avós – local de congraçamento, informação e mobilização. Foram elas que levaram tunisianos e egípcios às ruas para derrubar governos despóticos. São elas que divulgam, em tempo real, as atrocidades praticadas pelas tropas usamericanas no Iraque e no Afeganistão.
As redes sociais têm, entretanto, seu lado obscuro e perverso: a prostituição virtual de adolescentes que exibem sua nudez; o estímulo à pedofilia; a difusão de material pornográfico; o incitamento à violência; a propaganda de armas; o roubo virtual de senhas de cartões de crédito e contas bancárias.
Espero não tardar o dia em que as escolas introduzirão em seus currículos a disciplina Redes Sociais. Crianças e jovens serão educados no uso dessa importante ferramenta, aprimorando o olhar crítico, o senso ético e, em especial, a síntese cognitiva, de modo a extrair sentidos ou significações do incessante fluxo de informações e dados.
Graças à internet, qualquer usuário pode se arvorar, agora, em sujeito político e protagonista social, abandonando a passivo papel de mero espectador.
É preciso, entretanto, ter cuidado com as redes sociais. O Facebook, que congrega, hoje, meio bilhão de pessoas, é uma ferramenta-espião. Nada garante a privacidade dos usuários. Mesmo após deletar a conta e abandonar o Facebook, os dados do ex-usuário podem ser rastreados e registrados.
Como funciona? O Facebook instala cookies no seu computador. Eles armazenam informações de navegação e as transmitem para servidores remotos.
Veja o alerta de Renan Hamann: “Segundo o USA Today, a rede social quebra regras de privacidade em três níveis: 1) Conectado: assim que o usuário utiliza os servidores, um cookie de sessão e outro de navegação são instalados no navegador. São responsáveis pela medição de tempo de permanência na página, e localizam o IP, a resolução e várias informações técnicas. 2) Desconectado: quando o usuário sai do Facebook, apenas o cookie de navegação é instalado. Porém, todos os itens citados anteriormente continuam a ser informados ao servidor, incluindo IP e tempo de permanência. 3) Após o usuário delectar a conta na rede social, ele continua sendo rastreado.”
Essas denúncias provêm da ACLU (União pela Liberdade Civil Americana), que alerta: “A rede social está seguindo você.” Ela comunicou ao FTC (Comissão Federal do Comércio, do governo dos EUA) que o Facebook rouba informações…
A ACLU exige que a ferramenta Do not track (Não rastrear) seja instalada no Facebook. Assim os usuários poderão decidir se querem ou não ser rastreados.
Por que o rastreamento? Para tornar o usuário alvo direto de apelos consumistas – a personalização da publicidade. Se o mercado conhece seus gostos e preferências, temas do seu interesse e modo de pensar, fica mais fácil lançar em sua direção as iscas de consumo.
Algo parecido ocorre com o Google. Quando você digita “viagem”, o Google propõe, a sites de empresas, diversos links associados a publicidades textuais curtas. Os anunciantes escolhem as palavras-chaves às quais seus produtos devem estar associados. Por isso o Google corrige quando você escreve errado. Não por amor à boa ortografia, e sim para acionar o link vinculado ao site. A empresa anunciante só paga ao Google quando o usuário clica no link.
Graças a esses truques eletrônicos, o Google abocanhou, de julho a setembro de 2011, a soma de US$ 9,72 bilhões! – 33% a mais que no mesmo período de 2010.
Certas palavras mais digitadas engordam o lucro da empresa, como “sexo”, “amor” ou “Deus”, “Jesus” etc. O Google conseguiu transformar as palavras em mercadorias. E, se não tomarmos cuidado, no futuro ele condicionará nosso modo de expressão linguística, empobrecendo o idioma, anulando suas potencialidades e definhando o nosso espírito.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.